terça-feira, 18 de abril de 2017

A poesia do Clube da Esquina: notas

“A hipótese mostrou ser fantasiosa, mas a beleza desses capítulos deve-se
a plenitude de vida que ela prometia e em certa medida facultava” Roberto Schwarz
A obra de arte não tem uma precisão para brotar. Pode aparecer em momentos de abertura ou de autoritarismo. Mas tenhamos claro uma coisa: ela (a obra de arte) será sempre libertária. Na forma ou no conteúdo e quando se encontram os dois, a obra chega a sua “perfeição”. Na música popular brasileira temos exemplos vários para tal afirmação. Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazaré, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Tom Jobin, João Gilberto, Chico Buarque… Se repararmos bem, essas obras têm contexto preciso, mas não se limitam a tal contexto. Não são reduzidas a uma situação histórica, mas sempre sabendo que tal contexto existe e situa qualquer obra de arte que valha o nome.
Dito isto, chamamos a atenção para um desses momentos luminosos da MPB em tempos de repressão e autoritarismo: o lançamento do álbum “Clube da esquina” (agora novamente lançado em CD/livro pela abril coleções). Desde a capa, uma obra “clássica” na seara da música brasileira. A capa tem dois garotos, um negro e um branco ancorados à beira de um barranco em uma estrada a olhar o que se passa. Olhar atento e distante, indicando algo lá num horizonte que não sabemos e que só um olhar ainda da primeira infância pode nos remeter. Estávamos em momento de ditadura perversa onde até a ingenuidade poderia ser presa, se apresentasse credenciais de rebeldia. Tristes tempos! Mas o disco de Milton Nascimento nos fazia imaginar/sonhar com um mundo mais lírico, mais criança.
Mais aberto ao horizonte da poesia. As roupas dos dois meninos revelam uma simplicidade tocante que mais alegoriza o povo anônimo brasileiro. Desde a capa o álbum já revelava sua originalidade e sua força poética (marca determinante da obra de Milton Nascimento e Lô Borges). Mas quando escutamos o repertório, ficamos com um sentimento de uma “beleza pura” e ingênua que nos remetem a um mundo que ainda não existe (utopia), mas que é preciso que pensemos nesse “mundo do ainda não” e que pode nos fazer sonhar no “mundo realmente existente”. Como na composição que fez história com Beto Guedes: “Da janela lateral/ do quarto de dormir…/vejo uma grade um velho sinal”.
Na música como na vida era preciso ver para além da grade, era preciso ver o “velho sinal”. Na mesma música sentimos a evocação do “cavaleiro marginal”, este ser enigmático e sem proporção na canção e que em muito pode nos remeter a um tanto de “marginais’ que naquela quadra de ditadura nos faziam sonhar com um outro mundo. Porém o momento alto do disco fica por conta de duas “imortais” canções: “Clube da esquina N. 2” e “Cais”. Na primeira temos uma jovialidade musical sem precedentes na MPB. “Porque se chamava moço/também se chamava estrada/viagem de ventania”. Uma imediata lembrança aos tempos furiosos em que a juventude não era apenas uma idade, mas um estado de disposição para ávida para a errância que encerra os que se sentem impelidos a rebeldia. Lembra em muito a “geração Jack Kerouac”.
Mas o mais bonito poeticamente nesta canção é a sua chamada radical para o sonho: “Também se chamava sonhos/ e sonhos não envelhecem”. Um verdadeiro hino à utopia, tão rara naqueles momentos e ainda mais rara nos dias pragmáticos de hoje. A canção ainda abriga o frescor do passado por ser o nosso presente tão infeliz e mesquinho em termos de sonhos como antes. Mas a mesma música nos ensina pedagogicamente o rumo: “E basta contar compasso/ e basta contar consigo/ que a chama não tem pavio”. Soberbo! A canção “Cais” talvez seja aquela que mais identifica o estilo de Milton Nascimento.
Tem o tom nostálgico e a melodia colabora muito para isto. A letra é algo magistral e lapidar onde diz: “Invento a mim o sonhador” e mais “Para quem quer se soltar/ invento o “Cais”. O sentimento que fica, 40 anos depois, é que o álbum ainda nos faz sentir alguma beleza que não passou. Uma beleza que tem uma força libertária que nos incomoda. Dias como os atuais não tem a grandeza de um disco como “Clube da esquina”. Como numa canção curta na letra e grande no sentimento, “O trem azul”: “Coisas que a gente se esquece de dizer/ frases que o vento vem às vezes me lembrar”. A esperança é que o trabalho coletivo do grupo de mineiros encontre os ouvidos e os corações apropriados fazer valer o sonho sempre. Como dizia o poeta Paulo Leminski: “Na luta de classes/ todas as armas são boas/ pedras/paus/poemas”.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe

Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios ou a vida não é tão simples: notas

A literatura contemporânea brasileira que vem sendo produzida na última década está ainda por ser estudada e mapeada de maneira mais detida. Mas já podemos fazer algumas observações diante do que temos/lemos. Marçal Aquino é um ilustre representante dessa “geração”, que tem nomes como Daniel Galera e Patrícia Melo. Os trabalhos de Marçal Aquino tem se destacado pelo olhar jornalístico, crítico, trágico e contundente sobre o panorama brasileiro atual. Aquino e a geração de “novos escritores e escritoras” têm problematizado na ficção a situação da juventude.
Um tema importante e explorado nos dias atuais a partir de várias perspectivas. O romance tem sido uma forma interessante de tratar o tema. A característica marcante de Marçal é não tratar a juventude e seus relacionamentos amorosos de maneira romântica ou complacente e sim de uma maneira crua e impactante. No romance Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios (2005) o autor nos coloca diante de uma história que mescla vários gêneros romanescos: narrativa jornalística, trama policial, história amorosa, reportagem sobre determinada região, etc.
O livro tem claramente três partes delimitadas: a primeira, intitulada: Amor é sexualmente transmissível, onde temos a descrição poética da paixão entre Cauby e Lavínia. Há nos diálogos, nas brincadeiras, nas fotografias, certo lirismo numa região marcada pela violência extrema. Poderíamos dizer que é o momento ativo da obra e de mais encanto em termos de narrativa. No segundo, Carne-viva, temos uma digressão para sabermos a vida de Lavínia e entendermos seu ar misterioso e soturno da primeira parte. Sabemos que ela foi prostituta, violentada e marcada pela pobreza e pelo abandono e que nas ruas encontra um pastor de nome Ernani que lhe tira das ruas num processo violento de conversão e se juntam, para depois seguirem para o interior do Pará, onde ele faz um trabalho missionário com populações ribeirinhas e indígenas.
No terceiro, Postais de Sodoma à luz do primeiro fogo, temos o desfecho final e trágico do Romance. A loucura, a perda da memória e a situação de ser outro nome que não Lavínia e a violência sofrida por Cauby ao ser acusado injustamente de assassinato numa terra sem lei ou perdão. Uma obra original e implacável com o leitor. Li numa tirada só (por razões pessoais que não vem ao caso explicitar). Como se sabe, Marçal Aquino é roteirista de primeira e a partir dessa informação, imaginei como ficaria uma obra dessa natureza no cinema. Seis anos depois, a obra foi adaptada por Beto Brant e Renato Ciasca. Como toda adaptação, temos cortes e ajustes para outra linguagem. De cara, já podemos sair do falso problema: quem é melhor o livro ou o filme? Ambos. O livro é um dos melhores trabalhos ficcionais dos últimos anos e o filme é muito bom como linguagem cinematográfica adaptada. Para melhor esclarecer a quem assiste, os diretores colocaram na primeira parte do filme as situações em dois planos paralelos: um, onde temos os encontros de Cauby e Lavínia, erótico e apaixonante e sem explicação da história dos dois.
No segundo plano temos a história de Lavínia e Ernani. Sabemos que Ernani virará pastor cristão depois de uma profunda depressão ao perder a esposa. Sabemos ainda que Lavínia era prostituta e que foi tirada das ruas pelo pastor. Rouba a cena as interpretações de Camila Pitanga. Uma senhora interpretação de cenas cruas, violentas e eróticas. A cena da tentativa de tirar do corpo dela algum “espírito” que determinava aquela vida errante é de uma beleza e de um constrangimento impar no cinema nacional. Diga-se de passagem, o cinema nacional hegemônico é muito arrumadinho e muito parecido com as novelas da Rede Globo para nos arrancar sentimentos como os que o faz o filme de Brant e Ciasca. O nosso cinema nacional hegemônico é muito pobre esteticamente muito imitador da teledramaturgia contemporânea e jamais chegará a um grau de tragicidade que um cinema como o de Beto Brant ou de Cláudio Assis (A febre do rato) consegue fazê-lo de maneira extraordinária. Mas o filme de Brant e o Romance de Aquino não são apenas cenas de sexo e paixão violenta. São ainda uma denúncia direta da situação sem lei da região amazônica, denuncia da grilagem das terras indígenas por grande madeireiras ou pelo agronegócio que devasta a região. Sentimos uma região literalmente abandonada (no filme, em nenhum momento vemos alguma presença do Estado propriamente dito.
Salvo na aparição de um delegado que mais parece bandido). A região parece um lugar desolado, pobre e sempre a margem daquilo que acadêmicos e governo gostam de chamar de modernidade. Um outro mundo, é o que parece. Aquelas cenas paradisíacas da televisão e suas propagandas não existem no filme (como pouco deve existir na realidade). O filme ganha novos ares quando a paixão de Lavínia e Cauby vem a lume público e o filme se transforma numa trama policial. O marido de Lavínia aparece morto, Cauby é acusado e depois inocentado pôr o crime ter sido de encomenda. Mas nada volta ao normal. Lavínia vai para uma espécie de manicômio e perde a memória diante do trauma, Cauby perde um olho numa pedrada durante o enterro do pastor depois de sair da cadeia todo estropiado.
O filme de Brant nos leva a refletir sobre como as relações amorosas estão em sintonia com o mundo, por mais que os amantes queiram fugir do mundo. Em tudo a história sempre nos alcança, mais cedo ou mais tarde. Porém o que mais nos chama a atenção é a fragilidade com que as relações amorosas são marcadas. Às vezes parecem tão simples, mas na vida nada é simples, a começar pela própria vida. “Real e de Viés”, a vida e nossas relações amorosas dentro dela nos pregam peças, nos violentam, nos empurram para situações trágicas, alemã das tragédias que já estão a nossa disposição em “carne-via”. É notório que filme não defende nenhuma tese ao estilo dos documentários dos anos 70 ligados ao cinema novo, mas vais fundo na situação política do País, principalmente na sua forma de abandono de populações pobres inteiras por parte de governos.
Isto é um trabalho ainda por se estudar. Os filmes de Beto Brant têm feito este papel de problematizar os dramas contemporâneos na sua forma trágica. Basta lembrar O invasor, Cão sem dono ou Crime delicado, para termos uma ideia de como se faz um cinema vigoroso e crítico ao mesmo tempo. Sem perder a mão estética e sem cair em formalismo ou no estilo melodramático tão ao gosto da maioria dos diretores de plantão.
*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe

Fotografia: divulgação

Wim Wenders e o Decurso do Tempo: notas

Existe um problema na crítica cinematográfica que é a de definir com precisão o que é um “cinema de arte”. Toda obra cinematográfica não seria ela mesma uma “obra de arte”? Difícil responder de chofre uma questão como essa. Talvez essa questão de cinema de arte seja semelhante à aquela enfrentada por Santo Agostinho quando tentou definir o tempo.Pensava o santo, quando não me perguntam o que é o tempo, sei do que se trata, mas quando me pedem uma definição exata, não a tenho. Podemos aplicar, com reservas, esse pressuposto agostiniano para definir o tempo ao problema do cinema de arte: acreditamos saber o que seja um cinema de arte, mas quando vamos ao papel e com calma, já não sabemos.

Arriscamos uma dica: há algo num “filme de arte” que é perene e que não há num filme exclusivamente comercial e de entretenimento. É como se um “filme de arte” nos colocasse questões que transcendem a sua época e permanecem como um desafio no tempo para além de conjunturas especificas vividas por todos nós.
Um cinema de “puro entretenimento” esgota-se nele mesmo e muito pouco fica na memória para ser trabalhado fora das salas de exibição. Para uma compreensão mais direta: um filme de arte nos faz mobilizar todos os sentidos possíveis de nosso corpo/alma e nos coloca “imaginariamente” diante de questões decisivas da existência.
Um filme de arte tem “compromisso de engajamento” com a existência situada no sentido sartreano. Numa perspectiva dessa natureza, entendemos o cinema do alemão Wim Wenders. Mais especificamente, destacamos o filme: “Im lauf der zeit” (1976), traduzido como “No decurso do tempo”. Título por si só, filosófico ou de arte por natureza.
Segundo os principais estudiosos da obra cinematográfica de Wenders, esta película situa-se numa espécie de trilogia iniciada com Alice nas cidades (1974) que mostra um jornalista alemão obrigado a tomar conta de uma menina abandonada pela mãe enquanto vaga pelos EUA para terminar uma reportagem. Iniciaria aqui um “road-movie” que seria uma marca constante de Wim Wenders em outros filmes marcantes.

O segundo filme da trilogia é “Falso movimento” (1975) que trata da viagem de uma trupe improvisada de atores por vários lugares da Alemanha. Uma recorrência ao preto e branco e a lugares e paisagens pouco vistos nos cartões postais germânicos. O “road-movie” é saída, movimento, viagem sem destino certo, mas é acima de tudo, saída si mesmo para um outro desconhecido e misterioso através de uma câmara cinematográfica. Segundo Fréderic Gros num belíssimo livro de filosofia, “Caminhar: uma filosofia”, o grande “road-movie” da filosofia teria sido Sócrates.
Como se sabe, ele não conseguia ficar quieto, sobretudo quando o mercado grego funcionava e havia grande afluência de pessoa. Sócrates fazia da sua saída de si um caminhar constante em direção ao conhecimento de si mesmo através de um diálogo com um outro. Percebemos esse elemento socrático nos filmes de Wenders.
No caso de “No decurso do tempo” isto é explorado de maneira impressionante. O filme trata de uma estranha amizade encontrada ao acaso por dois homens e numa paisagem das estradas entre as duas Alemanha ainda divididas em plenos anos 70. O técnico de projetores Bruno e o suicida em potencial Robert ficam amigos e partem numa viagem pelas decadentes rodovias alemãs.



Solitários e introspectivos (o filme tem poucos diálogos para o normal de um filme de arte), os dois estão em busca de algo que só vai ficando claro no decorrer do filme e do tempo. A esperança deles é terminar a jornada encontrando um significado para as suas vidas. Só que isto não está dado em nenhum momento do filme.
O sentido para uma vida está no decurso e não necessariamente no início ou no fim. Nada mais filosófico e existencial do que está compreensão da existência. O filme é ao mesmo tempo uma “celebração das coisas simples” ou como na poesia de Manoel de Barros “uma louvação das grandezas do ínfimo”. Um ônibus velho e cheio de latas de filme a serem exibidos, um lugar de morada do personagem Bruno (que não sabemos de onde vem e pouco ficamos sabendo da sua história mambembe).
Robert aparece pela primeira vez no filme guiando um fusca em direção loucamente a um rio e depois saindo dele pelo teto numa alusão a uma forma de desapego total. De cidade em cidade eles vão exibindo filmes e procurando entender o desaparecimento do cinema de interior e o seu fascínio mesmo no ocaso. A vida é movimento e mudança. Por mais que isto nos seja duro e caro.
Passam as pessoas que amamos, passam as coisas que temos, passam os sonhos e a vida vai ficando mais rica e nostálgica. A verdadeira dialética do pertencer e ser livre. Há um bonito momento no filme em que Bruno se lamenta ao afirmar que a vida é como a saudade das mulheres que amamos e que deixamos ou fomos deixados.
O perder algo precioso nos transmite algo de mágico e doloroso ao mesmo tempo. O filme é também uma alegoria com o próprio cinema que está entrando no seu fim, mas que resiste enquanto utopia. Em dois momentos precisos, o personagem Bruno encontra pessoas que refletem sobre o sentido do cinema no mundo de hoje.
Se vale ou não a pena continuar exibindo filmes ou se não seria melhor abandonar o trabalho com a arte cinematográfica. E assim, relacionamos a vida ao cinema. Os principais filmes de Wim Wenders nos passam a ideia de que o sentido para uma vida é uma construção feita por nós mesmos com a ajuda da arte.
A dimensão radical do imaginário nos faz avançar num “road-movie” particular que é vivido por todos, mesmo que inconsciente. Como nos informa o poeta compositor Walter Franco: “viver a afinar o instrumento. De dentro pra fora, de fora pra dentro”. Serviria de epigrafe para este filme magistral de Wenders.
*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe
Fotografias: internet/divulgação

segunda-feira, 17 de abril de 2017

"Aquárius"- indivíduo, cidade e resistência: notas


“O segredo de um ser humano não é seu complexo de Édipo, e sim o próprio limite de sua liberdade, seu poder de resistência aos suplícios e à morte”
Sartre
Um filme que chega na hora certa em um Brasil em transe. A confissão propositada que reina em nossas terras, não é coisa de amador ou puramente espontânea. O filme de Kleber Mendonça Filho vai em dos pontos centrais: o que pode (ou que deve) fazer um indivíduo em situação de opressão onde quase tudo ou quase todos lhe forçam a fazer o que não quer ou não pode fazer? Questão tão antiga quanto a própria existência do ser humano. Encontramos em textos antigos, relatos homéricos ou nas filosofias que floresceram no Ocidente ou além dele. As respostas também foram as mais variadas na história. Temos visto que o medo, o terror, a frustração ou desânimo têm sido as marcas hegemônicas das respostas... Mas olhando a “história a contrapelo”, temos muito de resistência e desconfiança às promessas ou imposições advindas dos cínicos donos do poder de plantão. “Aquarius” é um pérola para fica para a história do cinema brasileiro nesse quesito. Uma sinopse superficial nos informa que trata-se de uma filme onde uma mulher na sua terceira idade e morando só num prédio que leva o nome do filme, torna-se a única moradora a não aceitar a oferta de uma construtora de venda de seu apartamento e o filme quase todo é a sua resistência aos assédios que vem de todos os lados. Claramente pobre essa rápida informação. O filme em seus detalhes é bem mais que isso.
CLARA/TAIGUARA
O filme começa a nos preparar para uma Recife em 1980 em fotos ao som da música de Taiguara e sua composição “Hoje”. Para uma geração inteira de brasileiros, Taiguara não significa mais nada... Para uma outra geração que ainda existe e vive, Taiguara é símbolo de um passado que teima em não passar. A personagem Clara do filme pertence claramente a essa geração... Taiguara pertence ao momento em que o Brasil foi tragado por uma ditadura e muitos de sua geração se colocou na resistência ao militares com a sua voz, com a sua poesia, com a sua canção... Clara, a personagem vivida de maneira brilhante pela atriz Sônia Braga, nos faz ver que desde os anos 80, carregava a formação e informação de quem sabia onde estava e onde pisava naqueles anos de chumbo e exílios... O interessante e que merece destaque é que toda a trilha sonora inicial indica alguma forma resistência do indivíduo: Queen, Gilberto Gil...
A vitória sobre um câncer anunciado de público pelo marido da personagem, já nos coloca diante de uma “premonição” daquilo que será a personagem na sua sabia velhice... Quem escapa a um câncer, ver a vida de outra forma... Já brigou “o medo maior”... Já viu de perto e dentro de si “o medo maior”. Os cínicos e “pós-modernos” donos de uma construtora ávida por transformar tudo à sua imagem e semelhança (ou seja, tudo transformado à imagem e semelhança no Capital e as pessoas que se danem e se arranjem como puderem!). Sabemos no avançar do filme que Clara e sua relação com o Taiguara da abertura do filme não é apenas uma relação casual ou de enfeite no filme. Trata-se de uma relação orgânica. Clara é uma jornalista que tem uma “tese” sobre música. É povoada de vinil e matem a música de sua época como forma de conhecimento e resistência... Kleber Mendonça e sua Clara conseguem tirar sabedoria até de um momento da música de Roberto Carlos (minha antipatia por esta figura mereceu ficou em suspensão nesse momento do filme!).
É como se o filme quisesse nos dizer em letras e expressões claras: a arte forma o indivíduo naquilo que ele tem de mais importante em sua segurança perante um mundo cruel e que não adianta fazer como a rapaz bonitinho e ordinário que persegue a personagem (ele se apresenta como aquele que estudou nos Estados Unidos). A personagem é direta num momento alto do filme: caráter não consegue em curso universitário (seja em que país for). A história é outra e se fortalece por outros caminho e que uma cara bonita e ordinária não conseguirá ter/viver. Todo o filme é o desenrolar da luta vivida por um indivíduo em não deixar-se dominar pelas seduções e assédios vários de um sistema que quer todo o tempo lhe impor o que fazer... Impor o que ser... A personagem encontra em si e na sua formação as palavras certas para cada pessoa que tenta lhe convencer das sua “loucura” ou “teimosia”. Amigos, amigas, filhos e filhas, etc... Um muito a posição da personagem nos remete a luta e a escrita de Henry Thoreau e numa das suas marcantes frases: “Se você já construiu castelos no ar, não tenha vergonha deles. Estão onde devem estar. Agora, dê-lhes alicerces.” “Aquarius” nos faz ver como essa resistência e essa força interna da personagem, tornam-se força no “direito à cidade”
CLARA: O AMOR, O CÂNCER E A CIDADE
O filme nos evoca a atenção a partir dos seus subtítulos iniciais que condizem não apenas com momentos históricos de Clara, mas talvez pela nossa análise, com sua concepção sobre grandes questões.  O cabelo trata da questão individual, que relaciona-se com o indivíduo, a escolha de Taiguara abordada no ponto anterior contempla perfeitamente esta questão. Mas o amor e o câncer de Clara podem ser entendido a partir de outra questão: a Cidade.
O amor de Clara. A expectativa senso comum seria o preludio com seu amor, o seu esposo, mas novamente o presente e a realidade cospem na tela qualquer espécie de romantismo tolo, que não condizem com a forma de ver a vida de Clara. O amor, como todos os amores tem um lugar. Um local, um cenário que é tão presente e necessário quanto os braços para os abraços, quanto a boca para o beijo. O amor das pessoas e dos lugares que dividem o mesmo tempo, o momento histórico conhecido como presente agora, como passado quando foi e como futuro quando “à de lhe convir”. Porque o futuro não pode ser alheios aos indivíduos de tal maneira que nunca serão realmente coletivos, ou reduzido aos caprichos de sua única filha ou da construtora mais rica. O essencial do coletivo tem que apresentar-se ao indivíduos por dentro e por fora, senão será externo, alheio em outros momentos virtuais. E com essa virtualidade do tempo presente que o filme brinca. Essa virtualidade sinônimo do real, essa virtualidade que disputa com o concreto, com as paredes, com o Aquarius. Mas interessante dizer que não é qualquer virtualidade que a autora disputa, mas com a virtualidade que acumula para o capital, para o lucro e gozo dos donos dos meios, que apresentam-se sofisticados, sedutores para uma geração que acredita em novas polêmicas tolas sobre a disputa entre o vinil e o mp3, ou entre o Aquarius e o novo Aquarius. O lugar, a perca do lugar mostra ao individuo a perca da cidade, do direito a cidade.
Direito a cidade em que o cotidiano concreto não é com as paredes, mas com as pessoas e todas as suas contradições, com a natureza, representada pela bela praia e sua disputa na Brasília Formosa, com o bairro, com a mobilidade, com a vista, com a brisa, com a trilha sonora do lugar, que sintetiza o ataque mais direto, um ataque aos amores de Clara. O filme através da memória presente e do presente que não deixa-se esquecer não dá espaço para a lineariedade ou projeções fora do tempo e fora do lugar, mostra que existem cidades dentro da cidade, que existem os donos de moradias e as domésticas que ali dormem, que existem trabalhadores que residem em outros bairros: que salvam vidas, que vendem drogas, ou que simplesmente somam-se no relaxamento coletivo contrariando estereótipos criminalizadores e exterminantes.
A perda da cidade pelas construtoras, pelo sistema por um consenso fora do lugar, por velocidades da rotina, e uma rotina sem reflexão que não enxerga a cor do prédio que mora, apesar de apaixonar-se com a pessoa que conheceu no Facebook e fazer juras de amor gravadas mas sem qualquer emoção. E justamente nesse concreto desmemoriado, segregador,  que nos desconecta em que as cidades modelo das construtoras, dos políticos mercadores do espaço apresentam como modernas, seguras. Contra este câncer, que suprime o direito à cidade, as potencialidades dos sujeitos urbanos em coletivos e não aglomerados, que Clara aponta diretamente, irá lutar com todas as forças, e não irá sozinha.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe

*Vinícius Oliveira é Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Sergipe
Fotografias: Internet/divulgação
Vídeos: Youtube

domingo, 16 de abril de 2017

Sexo numa visão feminina ou o gozo no cinema: notas sobre um filme

O tema do sexo no cinema tem uma longa história. Desde os primeiros filmes de “sexo explícito” dos anos 60 até toda uma produção em vídeo que inundou locadoras nas últimas décadas. De um modo geral, são filmes com ou sem história, mas que tem como objeto direto as práticas sexuais nas suas mais diversas formas. O cinema documental também avançou um pouco na temática. Temos vários documentários produzidos em diversos países que trabalham a temática sexual e seus correlatos (saúde, gozo, política pública, preservativos, aborto, virgindade, etc.). Temos a impressão de que o que vem acontecendo no cinema em termos de sexo tem muito haver com as “transformações na intimidade” vividas nas últimas quatro décadas.
A luta feminista tem papel preponderante nesses acontecimentos. As mulheres lutaram muito até os dias atuais por direitos que vai do trabalho ao gozo. Políticas de anticoncepção, liberdade financeira, escolha livre de parceiros e parceiras e uma série de questionamentos sobre o “universo feminino” que transformaram a situação das mulheres no mundo contemporâneo. Temos clareza de que tudo isto não aconteceu de maneira igual no mundo. Em determinados países as lutas das mulheres ainda estão por se fazer pelas próprias mulheres e em outros ainda está só começando e em outros os avanços são notáveis. Usando um termo do vocabulário marxista: a luta das mulheres no mundo ainda é “desigual e combinada”. Isto teve e tem muito impacto no cinema hoje. Em 2008 o diretor brasileiro Euclydes Marinho lançou o longa metragem “Mulheres Sexo Verdades Mentiras”.
O filme tem uma narrativa interessante. Trata-se da história de uma cineasta que trabalha com documentários de nome Laura Beck (Julia Lemmertz) e que está trabalhando num projeto de fazer um filme sobre o “gozo feminino” e seu universo a partir da própria fala das mulheres. No filme a diretora vai fazendo uma seleção das mulheres a serem entrevistadas, as perguntas a serem feitas, paralelo a situação vivida pela própria cineasta. Ela está vivendo um “romance aberto” com um homem um tanto desconhecido para nós espectadores. O universo recortado para o documentário é de mulheres em idades diversas e classes sociais bem diferentes, tendo como linha condutora os desejos sexuais e as práticas vividas pelas mulheres. É muito interessante ver a leitura que as mulheres fazem das suas práticas sexuais e a situação dos homens nessas histórias. De um modo geral, os homens são importantes e “incompetentes”. As mulheres falam da pressa e do “egocentrismo sexual” masculino nas horas do gozo. Merece destaque uma personagem com mais de 60 anos que fala abertamente do gozo feminino (o dela em particular) na velhice.
Fica claro a importância do sexo na terceira idade, a sua qualidade e a necessidade de parceiros compreensivos. Ela faz uma breve avaliação de como se deu a suas práticas sexuais na juventude e de como foram difíceis e repressoras por conta da formação familiar e do homem com casou pela primeira vez. Foi preciso um segundo casamento para melhor compreender e viver um “sexo sem culpas” e prazeroso. São mulheres trabalhadoras, garotas de programa, um profissional de psicologia, jovens estudantes e amigas da cineasta que vão construindo um discurso aberto (as vezes direto e picante) sobre os “direitos do gozo feminino”. Obviamente, o filme ficaria incompleto se os homens não falassem. Isto acontece basicamente no final. Alguns homens falam de suas experiências sexuais e de como veem as suas parceiras. Trata-se de um momento muito curto. O centro d o filme é a fala das mulheres.
Do ponto de vista cinematográfico, me atrai muito a forma do filme. É um filme de ficção que tem dentro uma estrutura documental. Ficamos em dúvida se as pessoas são atrizes ou não-atrizes. Algumas mulheres são realmente atrizes. As vemos nas novelas e revistas. Já outras são pessoas do povo que não estão ali vivendo uma personagem para um filme. Elas estão como que falando de si mesmas e de seus desejos.
O filme “vasculha” a visão das mulheres entrevistadas os mais diversos temas do universo sexual: masturbação, sexo anal, filme pornô, orgasmo, sensualidade, sexo oral, frustrações, medos, etc. Pode até não ser um grande filme em sentido clássico, mas tem um mérito: abre um “debate-tabu” ainda presente numa sociedade machista, homofóbica e repressora como a nossa, sabendo que já mudamos muito e que avançamos muito para os nossos padrões provincianos nas nossas falas e práticas sobre sexo. O filme tem momentos divertidos (como muitas vezes acontece quando falamos de maneira tão direta sobre práticas sexuais). Em fim, um filme que nos ajuda nos debates sobre relações de gênero nos dias atuais.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe

Fotografia: Internet/divulgação

sábado, 15 de abril de 2017

Áudios do Curso Cristianismo e Marxismo


Primeiro dia (2 h e 29 min):


Segundo dia (20 min):




Michael Haneke ou do amor implacável: notas

“No Amor, ao contrário, o amante quer ser o mundo inteiro para o amado: significa que se coloca do lado do mundo; é ele que resume e simboliza o mundo, é um isto que encerra todos os outros istos”.
                                        (Jean-Paul Sartre. In: O Ser e o Nada)

Pode um ato de violência ser um ato de amor em sua plenitude? Pergunta aparentemente paradoxal, mas que para um diretor como Michael Haneke pode ser afirmativa. E ele nos faz pensar assim ao final de seu mais recente e genial filme.
Nunca esqueçamos: estamos diante de uma obra de arte e não de um conselho psíquico-religioso. Assim fica mais interessante entender o que pretende o diretor austríaco. O enredo é muito “simples” (como se isso fosse possível nos filmes de Haneke!): Alguns meses na vida de um casal de idosos, George e Anne, dois professores de música aposentados que moram sozinhos em um apartamento confortável em Paris. Mas já saibamos de entrada que o diretor é capaz de nos possibilitar ver uma quantidade impressionante de emoções retiradas de um relacionamento em seu ocaso. Duas vidas aparentemente normais e com pouco significado para alguma coisa grandiosa se tornam singulares diante da câmara de Haneke. E mais (acredito ser o mais importante em Haneke): não há conversa jogada fora, não imagens ornamentais.
Tudo é essencial, concreto, necessário… E cruel. Com diálogos precisos e lacunares, temos o desenrolar do mais importante no filme: a vida é essencialmente violenta quando somos desde o início jogados no mundo e ao mesmo tempo caminhamos para um fim inevitável e onde o amor tem as marcas dessa violência para a sua realização. Haneke destrói essa visão relambida e tola do sentimento amoroso e o coloca no núcleo da crueldade mundana. Só por isso, o filme é assombroso e sublime.
O filme é cruel. Haneke chegou a ser chamado de “cineasta da crueldade” (talvez distante do sentido emprestado por Bazin a esse termo) por filmes duros como “Violência gratuita”, “Professora de piano” e “Fita branca”. Vemos nessas películas o desenrolar de personagens que praticam atos violentos consigo mesmo ou com os outros sem muita explicação ou justificação.
No mais recente “Amor”, não há nem indivíduos claramente cruéis ou mesmos gestos que indiquem tal crueldade (salvo o ato de George para com Anne no “claro” intuito de realizar um amor). Cruel é a vida, com seu ciclo implacável de envelhecimento e morte e num mundo o qual não pedimos para vir. A crueldade já está instalada em nós e qualquer ato posterior, é consequência desse ato primeiro de ser algo jogado no mundo e caminhando inexoravelmente para o fim, trágico, triste e, na maioria das vezes, doloroso e humilhante (como no filme).
O filme é duro. Aqui temos uma metáfora na palavra duro para afirmarmos que somos colocados diante de algo quase insuportável de ver. O duro no filme é termos que ver no seu mais prosaico cotidiano uma vida definhando no seu “ciclo natural” que pode ser o meu, o seu ou de qualquer ser humano. Somos levados e ver (e nos colocar diante daquilo como se fosse conosco) o significado de uma vida quando surgem os primeiros sinais da degenerescência física e mental e a situação de um outro que está completamente só para cuidar e ser levado ao limite de sua resistência e de seus valores.
Não se trata de uma “obrigação moral” (com alguém que me colocou no mundo, como mãe e pai), mas de uma de uma relação contraída gratuita e amorosamente por um percurso de anos a fio. Talvez esteja aqui a explicação p ara o título: há algo mais que está em jogo, há um grande afeto que fica no final, há um “amor” entre as partes envolvidas e que só pode ser realizado por um ato violento decisivo e radical. Seria, o amor, esse sentimento que suporta o fardo pela gratuidade de como foi contraído/vivido ao longo dos anos? Talvez. Em Haneke devemos saber que esse sentimento amoroso pode se realizar num ato brutal e ainda ser amor (e o que é pior, ser pleno nesse ato).
O filme é bom. Nesse quesito, ser bom enquanto cinema é ser um filme que nos faz pensar e sentir ao mesmo tempo em situações radicais em que a vida coloca e que em nada estaria distante da nossa própria vida. A arte teria uma capacidade antecipatória sem se antecipar a nada. Estaria nessa capacidade (que o cinema encena/mostra) a possibilidade de reflexão e sinceridade com nós mesmos.
Se somos jogados cruelmente no mundo sem explicação (aqui deixo de fora as “piruetas conceituais” das teologias e religiões), temos a possibilidade de encontrarmos artifícios em nós mesmos para resistir e sobreviver sem muito engano. O amor seria um desses artifícios, sendo “fogo que arde sem se ver”, é também ato que se faz por merecer. Por isso o filme de Haneke é tão bom. No mundo da futilidade e do Capital, o amor pode ser violento e generoso, sem máscaras ou pieguismos.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe.

Fotografias: Internet/divulgação.



"Alucinação" de Belchior: 40 anos ou canções para tempos nefastos



Em 1976 – a exatos 40 anos – Belchior lançava um dos álbuns mais geniais da Música Popular Brasileira que merece este nome... Trata-se do fabuloso: “Alucinação”. São dez composições num espaço de tempo de quase 38 minutos... São elas:
LADO A
Apenas Um Rapaz Latino Americano
Velha Roupa Colorida 
Como Nossos Pais 
Sujeito de Sorte 
Como o Diabo Gosta 

LADO B 
Alucinação 
Não Leve Flores 
A Palo Seco
Fotografia 3x4 
Antes do Fim.
Em 1976 estávamos todos enfiados numa triste ditadura que que iniciava como golpe de estado em 1964... Um Brasil que caminhava para o esgotamento e com poucas esperanças... Era fim completo do nefasto “milagre brasileiro” que em economia, enricou quem já era rico e empobreceu ainda mais uma sofrida classe trabalhadora desarmada na defesa de seus direitos... Mas criou a ilusão de poder da classe média. Obviamente, o álbum do cearense não se reduz a uma análise de conjuntura usando a música. Jamais. Belchior é poeta da canção. Mas um porta que tem a palavra comprometida com a minha e tua vida, parafraseando outro poeta, o Thiago de Melo. A palavra cantada de Belchior rasgava fundo como faca esse mundo torto que era o Brasil em transe da ditadura. E o fez com maestria para ficar na história e por isso, ainda hoje o escutamos e o rendemos glória... Álbum testemunha que sabia muito das feridas vivas em nossos corações... “Apenas um Rapaz Latino Americano” virou hino de uma juventude espremida por uma ditadura moralista e vazia de sentido... Virou vontade de meter a cara e encarar o mundo de frente e sem nada nos bolsos... Ser “Latino Americano” na música de Belchior era ter uma identidade sofrida, mas resistente e saber (diferente de Gil e Caetano) que nada é divino e nada é maravilhoso. Ironia com um tropicalismo otimista com os contrastes que fazem este Brasil. Mas nunca devemos pedir ao compositor que faça música para agradar. Eram tempos nefastos... “a vida é diferente, quer dizer: a vida é muito pior”. No fundo, o Brasileiro comum e sem dinheiro no banco é o Latino Americano que vale ser lembrado em sua poesia. Genial. Mas é em “velha roupa colorida” que temos a capacidade criativa de Belchior chega a um ponto extraordinário... A composição nos joga na cara o envelhecimento de uma geração que sonhou tanto e hoje veste uma “roupa que não lhe (nos) serve”. Podemos até não sentir e nem ver, mas essa mudança parecia aponta apesar dos pesares... A palavra de ordem era: “rejuvenescer” numa ditadura que se tornava velha desde seu nascimento. A música abriga uma poesia corajosa em seu lirismo quase prosaico bem harmonizada pela melodia (lindíssima!).
A composição que melhor nos coloca em 1976 é, sem dúvida, “Alucinação”. Chegava a um certo esgotamento um certo “esoterismo riponga” sem rumo em plena ditadura. Uma clara alienação perante um mundo concreto que pedia uma leitura crítica e não frases vazias de um espiritualismo pobre de espírito... Belchior vai na veia: “a solidão das pessoas dessas capitais” e “os policiais que cumprem seu duro dever”. A violência batia a porta e entrava (e entra, ainda mais hoje). Era necessário saber o que anunciava o “profeta do terror” (era tempos de tantas laranjas mecânicas): “amar e mudar as coisas me interessa mais”. Mesmo em tempos sombrio, há tempo para se amar... Para mudar as coisas. Belchior nos remetia a um desinteresse a essas teorias que em nada toca no real e ficam floreando o que não conhecem...  Imediatamente após “Alucinação”, vinha a assertiva para que não se levasse flores a cova do inimigo em nome das lágrimas dos jovens que ainda rolavam naquelas paradas de 76... Trata-se de “Não leve flores”. Uma complementa outra ou porque “nossas esperanças de jovens não aconteceu”. Ou como diz de maneira bela: “façamos o destino com o suor de nossas mãos”. Uma música que virava propulsora de ideia... Que motivava e fazia pensar implacavelmente nosso mundo. Mas merece destaque essa que á mais bonita e desconcertante canção de Belchior nossa opinião: “À palo seco”. Como dizia em verso o poeta de Pernambuco João Cabral de Melo Neto:
"Se diz a palo seco
o cante sem guitarra;
o cante sem; o cante;
o cante sem mais nada;
se diz a palo seco
a esse cante despido:
ao cante que se canta
sob o silêncio a pino."
Belchior queria o que diz: “que esse canto torto corte a carne de você”... E mais que isso, queria nos fazer que esse “desespero” em 1976 deveria ser entendido o que significar ter 25 anos onde “o sonho e o sangue” nos consome... e não se trata de moda alguma... Muito bom para nosso tempos nefastos.. Há uma geração em dias atuais que não sabe ainda de sonho e sangue; do que é feito essa matéria cruel que é existir em tempos de transe político.
Existem leitura que caracterizam esse trabalho de Belchior como pessimista ou deprimente. Discordo redondamente. Trata-se de uma obra marcada pela poesia que não pode esconder o mundo em que vive e ama... Belchior é o nosso Dylan Thomas da canção... Tem que ser implacável com seu mundo ou “Veloso o sol não é tão bonito pra quem vem” (quem vem do Nordeste para um Sul frio, excludente e preconceituoso em média com os pobres!). Ser “sempre jovem” da composição final “Antes do fim”, não significa ser cabeça de vento ou tolo, mas em sintonia com as cinzas das horas que nos queima e queima a todos e todas... “Alucinação” é um trabalho que chaga aos 40 novinho em folha, inspirador de futuros mas sem perder uma gota de realismo que nos faz pensar e lutar. Em tempos nefastos precisamos de arte a altura desse tempo e Belchior ainda é um poeta de nosso tempo.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor do Departamento de Filosofia da Univeridade Federal de Sergipe

Poesia, engajamento e cinema: notas sobre três filmes

Lendo recentemente a coletânea Poetas que pensaram o mundo organizada por Adauto Novaes temos a sensação de que a poesia tem mais do que uma organicidade com o mundo, ela tem um engajamento no mundo e nas suas questões centrais. Poesia é tida como coisa etérea, totalmente romântica, sempre afinada por um “Eu lírico”, alheia as questões concretas do mundo e das pessoas. Acaba-se tendo a impressão de que poesia é uma espécie de “ópio” para situações difíceis. Sabe-se que houve poetas que se engajaram em diversas causas e até morreram por elas, mas mesmo assim, a poesia continua com uma “aura angelical” separada das causas do pão e da liberdade. No citado livro, essa leitura limitada do fazer poético é dissipada com argumento s bastante sólidos. Há um objetivo deliberado nos autores que escrevem na coletânea que é a de não cair na armadilha de dizer que a poesia não serve para nada, é alienada, tola e definitivamente romântica (no sentido mais conservador do termo). Logo no primeiro ensaio assinado por José Miguel Wisnik onde temos uma reflexão sobre a poesia de Drummond, temos a centralidade da palavra mundo o mote principal da análise e segue nos outros artigos sobre outros poetas espalhados pelo mundo. O cinema também não ficou alheio a vida e a obra de vários poetas. Destacamos aqui três filmes que tratam de três poetas: O carteiro e o poeta (Michael Radford, 1996); Poucas cinzas (Paul Morrison) e Borboletas negras (Paula Van Der Oest, 2011). Apesar das diferenças óbvias, tempo, espaço, personagens e narrativa, podemos encontrar vários elementos comuns aos três filmes. Um elemento central é a “poesia engajada” em alguma causa humanista e sempre sendo colocada a favor de algum agrupamento oprimido. Nos três filmes a palavra não tem apenas encantos, mas se compromete “com a minha e tua vida” (Thiago de Melo).
O carteiro e o poeta é um daqueles filmes inesquecíveis. Um roteiro bem amarrado e criativo, um ótimo grupo de atores e atrizes e uma história cativante. Numa remota ilha do Mediterrâneo, Mario Ruoppolo, um tímido e humilde filho de pescador, é contratado como carteiro para fazer a entrega particular do poeta Pablo Neruda que está exilado na ilha por suas posições comunistas. A relação entre os dois personagens vai crescendo e dando a dimensão lírica do filme. O poeta chileno ajuda Mario na conquista de uma mulher e aos poucos vai revelando o nascimento da dimensão poética em um homem simples e ao mesmo tempo vai despertando a consciência deste mesmo homem para questões políticas nunca antes pensada. O filme aparece em um momento muito difícil para posições políticas engajadas à esquerda. Era o período de hegemonia ideológica do Neoliberalismo nos anos 90 e no campo da cultura os discursos pós-modernos dominavam o cenário acadêmico e cultural. Vivíamos um anticomunismo virulento e ao mesmo tempo a violenta propaganda do “mantra liberal” na mídia mundial. Era raro uma postura crítica de intelectuais e mais raro ainda no campo cultural. Deixava transparecer o “fim das utopias” e a vitória da vida pragmática e realista. O filme de Michael Radford era uma lufada de inteligência, beleza e de incentivo ao comprometimento político apesar de todas as contrariedades que tal engajamento pode trazer. No filme a palavra poética tem papel determinante na percepção do mundo do personagem Mario. A descoberta do amor e ao mesmo tempo a descoberta da situação de opressão que sofre o povo pobre da Ilha dominada por um mafioso inescrupuloso e violento. A palavra poética vai abrindo os olhos de Mario e transfigurando tudo a sua volta. Sem sair da ilha e sem ter uma erudita formação política, o personagem vai descobrindo os “males do mundo” e seus efeitos nas pessoas que o cercam pela inspiração poética das palavras de Pablo Neruda, este, “poeta profissional” e reconhecido mundialmente. Era um recado aos navegantes: “o sonho não acabou”. O filme faz da beleza o remédio necessário contra a vida medíocre e rotineira, contra a “ideologia unidimensional do mercado” que reduz a condição humana a uma guerra absurda por uma satisfação pessoal destrutiva para a vida coletiva. Nos momentos finais do filme vemos o pescador-carteiro-poeta Mario participando ativamente de uma manifestação política dos comunistas em Roma. De cabeça erguida, consciente de seu papel no mundo junto aos seus camaradas e tudo isso descoberto pela palavra poética. No filme, a poesia é uma espécie de “personagem oculto” que vai transformando tudo e todos por onde passa.
Poucas cinzas, título do filme de Paul Morrison retirado de um poesia de Gabriel Garcia Lorca de 1922. Apesar de a película ter no subtítulo “Salvador Dali” e de ser uma espécie de biografia seleta de Dalí, Lorca rouba a cena desde o início em que uma poesia sua entra como epigrafe do filme: “terra quieta, de noites imensas”. O filme nos faz voltar a uma Espanha conservadora e ao mesmo tempo vivendo o inicio de uma efervescência artística que marcaria a Europa dos anos 30. Era o ano de 1922 e o filme nos faz encontrar no começo de suas juventudes: Salvador Dalí, Gabriel Garcia Lorca e Luis Buñuel numa “república estudantil”. Percebemos que as loucuras e excentricidades de Dali vêm desde a sua mocidade e que só ganhou corpo com o passar do tempo. Vemos ainda que a genialidade de Buñuel já despontava naqueles anos em nem tinha ideia de ser o grande cineasta que foi. Vemos o nascedouro da poesia de Lorca que irá marcar para sempre o destino da poesia espanhola. O filme nos faz perceber que toda a experiência estudantil de juventude é parecida em todo mundo: gestos libertários, vida simples e alegre, desejo de mudar o mundo e engajamento generoso em causas humanitárias. O filme nos faz ver ainda que a mesma Espanha reacionária de um catolicismo senil e de governo militar autoritário, tem na sua vida subterrânea uma cultura que respira mudanças, respira Jazz, as ideias de Freud e a primeira vanguarda europeia que se espalha. O que mais nos interessa aqui é a maneira como o filme destaca o escritor granadino Frederico Garcia Lorca. A ele caberiam os epítetos de “mago das palavras”, escritor marcado pelos ideais de beleza e também, vítima das atrocidades do regime fascista que assombrará a Espanha após a derrota da república espanhola na guerra civil. O filme nos remete a uma poesia que “cheira a flor de laranjeira”, onde seu texto poético vasto areal a estampar os rastros da Andaluzia; por ele seguem, a pé, os ciganos, os cegos cantadores, os meninos tagarelas, os peregrinos da Espanha estoica, os pobres desvalidos, os libertários sedentos de justiça, os comunistas libertários encontram no verso de Lorca o abrigo necessário para alimentar a “mística do futuro comunista” do mundo. Lorca tinha uma clara consciência do oficio poético: “Ao contrário, se é verdade que sou poeta pela graça de Deus – ou do demônio -, também é verdade que o sou pela graça da técnica e do esforço, e da minha percepção absoluta do que é um poema”. Perfeita visão do fazer poético e de sua origem na vida de um Ser. Na cena em que Lorca cita um poema seu numa mesa em que estavam militares conservadores e senhoras da sociedade espanhola avidas por bobagens é um momento lapidar. O rosto dos convivas e as palavras mansas e firmes de Lorca em evocar a liberdade são de beleza rara e exultante e já demonstrava ali qual seria posição do poeta no processo de guerra civil em que marcaria a Espanha anos depois. O filme nos leva a meditar sobre a dura separação entre Dalí e Lorca. O pintor se torna cada vez mais capitalista e avido por dinheiro e fama a qualquer custo (inclusive o custo de atacar amigos de longa data como o fez com Buñuel) e Lorca se engaja cada vez mais na luta contra os fascistas espanhóis, se aliando ao final a Luis Buñuel nos momentos mais trágicos da guerra civil em 1936. Mas uma coisa é certa: a palavra poética foi a grande impulsionadora das opções e decisões de Lorca. Dizia poeticamente:  “Como me perco no coração de alguns meninos, perdi-me muitas vezes pelo mar. Ignorante da água vou buscando uma morte de luz que me consuma”.
Borboletas negras narra a história de Ingrid Jonker, poetisa Sul-africana que teve o “azar” de viver durante o brutal regime de apartheid (1948-1994) que consumia a África do Sul e seus negros e ainda ser uma poetisa que tinha coração cosmopolita e mente libertária. Numa sociedade desumana e opressora como a Sul-africana do massacre dos negros, uma mulher destas não teria vida fácil. O filme é fruto de uma paixão. A diretora Paula Van Der Oest tinha visto um documentário sobre a vida da poetisa Sul-Africana e decidiu ler suas obras e segunda a diretora: “foi de impacto fulminante. Era tanta paixão e tanta sede de justiça numa pessoa só, que foi impossível ficar neutra ou passiva diante de tanta grandeza humana e poética”. O filme foi uma consequência desse sentimento.  A jovem escritora inicia seus escritos destacando um certo lirismo juvenil, o que é muito comum em vários escritores em início de carreira. O que fará uma mudança completa em seu estilo um tanto ingênuo é um acontecimento presenciado por Ingrid Jonker e que deixará consequências para toda sua breve vida: o assassinato de uma criança negra por soldados do governo segregacionista da África do Sul e de tal fato brutal nasce o poema: “A criança que foi assassinada pelos soldados de Nyanga”. Este poema fará um corte na obra e na vida da poetisa. No filme este poema aparece no final numa leitura pausada e dramática de Nelson Mandela que encerra no parlamento o regime de apartheid vivido na África do Sul. Na película percebe-se dois momentos intensos e distintos da produção da poetisa. O mais político na defesa dos negros e na luta contra o apartheid. No momento dessa produção ela tem como aliado um escritor Sul-Africano da cidade do Cabo e seu grupo de intervenção político-cultural a favor da causa negra. Um momento importante no entendimento do significado da palavra engajamento para uma obra poética. Em nenhum momento seu verso é apenas um “panfleto” em defesa de uma causa (o que já seria louvável de um ponto de vista humanista e nas condições de um regime de apartheid como se deu na África do Sul). Diríamos que ela vive aquela ambiguidade nas palavras que tem na poesia sua predileção e tão bem definida por José Miguel Wisnik num ensaio sobre a poesia de Drummond: “Vem daí que a poesia e mundo, simultaneamente excludentes e includentes, se contenham e se neguem: que o mundo, visto a partir dela, se pertença e não pertença a si próprio” (Poetas que pensaram o mundo, p. 24). Um segundo momento da poesia de Ingrid Jonker no filme é o da “marca erótica”. Há um intenso sentido de corporeidade na sua poesia. O corpo como sentido para os sentidos e o lugar onde os desejos apelam sem piedade. Num de seus poemas intitulados “Eu me repito”, ela fala de seios e mãos como forma de concha. Uma linda metáfora. Seja no engajamento político, seja no engajamento erótico, a poesia de Jonker tem aquela “alquimia verbal” tão cara a poesia e tão cara à palavra tecida como sentido de uma vida. O filme, ao ser biográfico, nos apresenta vida os momentos mais dramáticos da vida da personagem. As suas separações violentas, traições e as internações por distúrbio psíquico. Uma vida difícil numa situação política mais difícil ainda. É preciso uma fortaleza maior do que as adversidades. A poetisa não teve tal amparo. Suicida-se numa praia da cidade do cabo em 1965. Ainda hoje seus versos ecoam pela África do Sul. Um Pais liberto da segregação racial, mas preso á segregação econômica onde a população negra pobre continua marcada por um “apartheid silencioso” cruel sob a batuta de capitalismo contemporâneo tão brutal como certas segregações raciais.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor de Filosofia da Universidade de Sergipe

Hilda Hilst: Entre o Desejo e o Nada





Uma análise séria de qualquer dos escritos hilstianos – que compreendem prosa, poesia, peças teatrais etc. – exigiria como tarefa pré-analítica a caracterização dele no conjunto de sua obra, avaliando influências e confluências, procurando afinidades eletivas.  A busca de um fio de Ariadne que possibilite cruzamentos semânticos entre a multiplicidade labiríntica de seus escritos poéticos teve a sua dificuldade amenizada pelas edições organizadas pelo professor Alcir Pécora para a editora Globo.  Estas edições reúnem livros antes publicados isoladamente ou inéditos, oferecendo, na visão do conjunto, novas e originais possibilidades de leitura. Aqui, não me dedicarei ao feito de uma análise séria e aprofundada que requer um olhar maduro e mais experimentado das obras desta mulher oceânica e encantadora, mas, ainda sob o efeito do deslumbramento da leitura dos versos cruzados e ajeitados no livro de nome Do Desejo (1), senti-me instigada a atiçar outros ao mesmo prazer por meio de um passeio interpretativo pelos poemas compreendidos nesta coleção. E, como todo trabalho hermenêutico é denunciador de subjetividades, ou como diria Gadamer, interpretamos os textos pelo mesmo movimento compreensor que nos permite interpretar-nos, assim, o encontro com os escritos de Hilst nos compromete, coloca-nos em causa como existente, nos desnuda.
Efetuaremos um breve percurso pelos poemas que compõem o livro Do Desejo, seguindo por uma, dentre as tantas possíveis, interpretação que nos servirá de guia: a de que esta composição descreve a relutância da poetisa, sua revelia perante o Nada: destino e condenação da existência. Descreve o dilema de sentir uma paixão voraz, dionisíaca, pela vida – presente, líquida – e o enfezamento diante da consciência de saber-se fugaz. Neste conflito, ela adentrará as vias do gozo, da loucura, da ebriedade buscando a afirmação de um sentido à existência para confrontar o Nada, contra o qual ela dispõe apenas da arma da palavra poética, que transpõe a temporalidade.
Persiste em muitos dos escritos de Hilda a dedicatória ao antropólogo cultural Ernest Becker, denunciando a influência e ressonância da obra deste, A Negação da Morte, nas obras daquela. Becker expõe a dualidade essencial e atemorizante entre consciência que se sabe mortal e inconsciente que não registra a finitude, que não concebe um espaço-tempo morte. Num de seus registros pessoais, há um referente à leitura que a escritora faz da obra do antropólogo: “Releio Ernest Becker. Incrível. Mas se toda essa minha experiência é a dimensão depois da morte então é preciso pensar tudo de novo. Por que o inconsciente não registra espaço-tempo-morte como o consciente? O inconsciente se pensa imortal? Por que?”(2).
Assim, ela percebe imposta a confrontação: a dualidade entre um corpo que se sabe organicamente falível e que busca uma imortalidade por meio da linguagem, da poesia que intenciona transpor pensamentos e produzir simbolismos que a elevam à atemporalidade. Uma relação condenada ao conflito e à angústia, uma vez que mesmo a palavra conseguindo elevar-se à eternidade depende de um corpo para ser dita, então, no fim das contas, a morte vence sempre, ela não consegue ser driblada. Não conseguimos nos mover junto com as palavras para fora de nós mesmos, continuamos presos dentro de um corpo que sabe do seu encontro com a morte.
"É justamente uma ânsia de transcendência, uma busca de imortalidade através da poesia, que faz da escrita de Hilda uma errância da linguagem em direção a Deus, em direção ao eterno na palavra. Na ideia de Deus nutrida pela escrita de H.H., existe o inconformismo diante de um corpo organicamente falível, mas também capaz de arrebatamentos eróticos, capaz de transportar pensamentos e de produzir simbolismos que o elevam à categoria transcendente do imaginário, à abstração do tempo e do espaço" (3).
 Nos poemas disposto em Da Morte. Odes Contínuas, o encontro com a morte toma uma forma erótica. É como se do medo surgisse o desejo de possuí-la, como ela é mesmo, para além dos nomes que a representam. A morte não tem um corpo, Hilda parece querer penetrá-la a partir da poesia, para tornar-se plena, como se o encontro com a morte fosse um gozo que a libertasse da angústia da dualidade.


Se nos poemas reunidos em Da Morte. Odes Mínimas, podemos presenciar, então, o jogo de conquista como exigência prévia à penetração, uma tentativa de conquista do eterno por meio da palavra, Do Desejo nos mostra o desvio dessa consciência diante do terror da morte, a fuga, a traição repulsora, o correr obstinado para longe dela, o apego desesperado ao sensório, corpóreo, sexual, alcoólico, a vestimenta de um nome alternativo que representa a entrega ao fragmentado, inconstante, ao presente: Samsara.
A relação corpórea, sexual, com um amante presente, representa a primeira experiência no itinerário de fuga da angústia provocada pela consciência dessa dualidade. A entrega a um desejo que não atinge a plenitude, mas que nos faz sentir a existência ao mesmo tempo em que se expurga da própria condição temporária dessa existência. Uma entrega à intensidade do gozo carnal, que dá sentido ao seu cansaço, ao invés de uma busca enfadonha pelo sentido vazio do existir. Assim nos faz entender o poema que abre a edição:
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
 A recusa de “caminhar um descaminho”, de subir onde não há rastros, de gritar a um surdo, enfim, a busca de união e compreensão de Deus, do Todo que é o Nada, que é ausência, abismo, se reverte numa “Fome irada e obsessiva” de querer-se viva nas “veias” do amado, uma entrega “àquele que tem carne e osso”: “DESEJO é Outro. Voragem que me habita”.
Porém, a poeta logo reconhece a brevidade dessa satisfação carnal, incapaz de concorrer com a persistência da consciência do Nada. A alegria do carnaval é demasiadamente temporária cedendo logo lugar para a constatação frustrante: “Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras”. Além da brevidade, há nesse refúgio ilusório da corporeidade, do erotismo, a presença de uma outra angústia: a dependência do outro para satisfazer-se, a dependência de um “desejo vizinhante”, a dependência desse desejo sobre ela. O amado torna-se, então, sombrio no caminho perseguido pela poetisa: “um desejo/ sem dono, um adorar-te vívido mas livre”. E ela também se sente escura se ele lhe abocanha “palavras e resíduos”. Nenhum amante é capaz de ocupar o lugar de objeto do desejo. Isto porque “a própria natureza deste é prolongar-se a si mesmo como busca e não satisfazer-se como posse” (4) . A relação é, pois, desvantajosa: é incapaz de libertá-la da consciência do Nada e lhe gera novas agonias por exigir dela um comprometimento para além da saciedade do desejo. Por exigir-lhe alma. Mas a alma está já comprometida com a fuga, com a revelia do seu encontro inevitável com o Nada. Por estar preso nesse desnível, o desejo agora não é mais cintilância. É “cordura. Crueldade”.
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
(...)
Nessa entrega fadada à parcialidade (não à falsidade), tudo plana à superfície. Mesmo as palavras prestam-se ao momento, como peças no jogo da satisfação, do gozo. Mas o querer é vasto, e ainda que ela insista em colar à boca do amado a sua desordem, se percebe “descomedida, árdua, sôfrega”. Este exame, no entanto, não a faz desistir: “construtor de ilusões” ela entrega-se veemente, “como se fosses morrer...como se fosse nascer...”.
Mas será na palavra também que a poetisa encontrará a ligação entre a angústia da brevidade do desejo e a busca de competir com o Eterno. Na palavra, que é vasta, incorpórea, que está além do espaço-tempo, que não apreende a morte tal o inconsciente. Entretanto, a palavra que não tenha a verdade como finalidade, a racionalidade como guia, a seriedade como método. Não é pois, filosófica, mas poética. A palavra que passeia leve sobre o querer, sobre o imaginário inocente da poesia.
Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
(...)
Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?
 Rende-se à poesia. Na palavra ela construirá seu abrigo, sob o qual sentir-se-á segura perante o breu provocado pela ausência inevitável do amado (“Breu é quando tu te afastas ou dizes/ que viajas, e um sol de gelo/ petrifica-me a cara e desobriga-me/ de fidelidade e de conjura”); perante o desejo inevitável da carne (“O desejo/ Este da carne, a mim não me faz medo”); e perante a Noite: o velado coração de Deus, “esse que por pudor não mais procuro”.
No último poema dessa primeira parte intitulada Do Desejo, a poetisa parece encontrar um modo de estar com outro e permanecer inteira: vivendo-o na poesia. Imortalizando a si e a ele na palavra. Ela, então, colocará o gozo no pensamento e o desejo na incorporeidade. Ela inverte o espaço de experimentação da existência, não é mais a avidez pelo sexo onde até mesmo a palavra se carnificava. A poesia agora é metafísica, distante do outro, deixando a este a tarefa aflitiva de interpretar os delírios dela. Assim, lemos no poema de fechamento desse primeiro livro:
Pulsas como se fossem de carne as borboletas.
E o que vem a ser isso? Perguntas.
Digo que assim há de começar o meu poema.
Então te queixas que nunca estou contigo
Que de improviso lanço versos ao ar
Ou falo de pinheiros escoceses, aqueles
Que apetecia a Talleyrand cuidar.
Ou ainda quando grito ou desfaleço
Adivinhas sorrisos, códigos, conluios
Dizes que os devo ter nos meus avessos.

Pois pode ser.
Para pensar o Outro, eu deliro ou versejo.
Pensá-LO é gozo. Então não sabes? INCORPÓREO
É O DESEJO”.
 No canto II do segundo livro, Da Noite, ela radicaliza essa inversão abrindo mão do amado em nome de um amor metafísico que se busca traduzir no indefinível. Na fuga do Nada ela adentra um outro nada ao qual, ao menos, ela poderá nomear. É como se para competir com o Nada contra o qual se rebela, ela necessitasse de algo além da finitude do gozo, que tivesse tal qual ele, a força da imperecibilidade. E é na direção deste que ela irá caminhar após dizer adeus àquele com quem partilhou o que agora considera “mitos entre os lençóis”.
O que tu pensas gozo é tão finito
E o que pensas amor é muito mais.
Como cobrir-te de pássaros e plumas
E ao mesmo tempo te dizer adeus
Porque imperfeito és carne e perecível
E o que eu desejo é luz e imaterial.

No terceiro livro, Amavisse (o “ter amado” da forma nominal do perfeito ativo latino), a poetisa encontra-se só consigo mesma e, se nos primeiros poemas deste livro ela aparece louvando a poesia e rogando “Carrega-me contigo. No amanhã”, ela termina “estilhaçada, prenhe de solidões”. O poema II deste livro expressa genuinamente a condição ambivalente do desejo de quem quer apenas na distância que assegura a apreensão do outro. Estando junto, no agora ela se perde, falseia a sua fuga, acomoda os teus anseios na efemeridade dos desejos corpóreos, ela precisa condená-lo à ida, à distância a qual ela mesma se condena, para somá-lo a si na inundação de redes e anseios.  
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
(...)
 Sozinha, não tendo mais os olhos do outro, ela agora sai para fora de si para ver-se como “a mulher”, ela desponta na terceira pessoa do singular: “(...) que a mulher parecia adequada numa noite de antes/ E amanheceu como se vivesse sob as águas. Crispada/ Flutissonante”. E no poema X: “(...) A mulher emergiu/ descompassada no de dentro da outra:/ Uma mulher de mim nos incêndios do Nada”. Logo percebe que a mulher precisa de corpo e afagos como o “poeta habita nas ardências”.  E, assim, ao renunciar a presença do amado para buscar a inteireza, a vastidão na palavra, no poema, agora ela percebe que o poema necessita daquele, necessita do pertencimento, do mito. E assim, ela clama:
Que as barcaças do Tempo me devolvam
A primitiva urna de palavras.
Que me devolvam a ti e o teu rosto
Como desde sempre o conheci: pungente
Mas cintilando de vida, renovado
Como se o sol e o rosto caminhassem
Porque vinha de um a luz do outro.
 Que me devolvam a noite, o espaço
De me sentir tão vasta e pertencida
Como se águas e madeiras de todas as barcaças
Se fizessem matéria rediviva, adolescência e mito.
 Que eu te devolva a fonte do meu primeiro grito.  
 A palavra depende de corpo para ser dita e outro para ser ouvida. O segundo refúgio da poetisa recai na mesma dualidade, no mesmo paradoxo da existência que a angustia: o de pertencimento e o de perpetuidade. Isto é, tanto o desejo quanto a palavra são dependentes de complementos, ambos possuem parentesco na falta, exigem um pertencimento que mais a distancia do Eterno. E, no momento mesmo que sacia o desejo e que expõe a palavra ela a perde. E nessa aporia de perdas, ela radicaliza: “Por perder o mundo/Separo-me de mim. Pelo Absurdo”.


 Após lamentar o poema, como barcas afundadas, pergunta-se se “a perfeição não seria o não dizer/ E deixar aquietadas as palavras/ Nos noturnos desvãos”. Silenciosa e em companhia da loucura, a poetisa seguirá sua Via Espessa. Neste quarto livro, a voz não é mais dela e sim do “louco” que em alguns versos ela mesma afirma ser a sua sombra. Nos poemas reunidos neste livro, a poetisa habitará “o campo de estalagens da loucura”. A loucura dará luz à noite dura e solitária da “mulher” sem pertencimento, sem mundo, separada dela mesma, do outro e da palavra, nessa fuga incessante do Nada.
Samsara: aquilo que caminha em círculos. Com esse nome a poetisa será chamada pelo louco que é a sua própria consciência. Uma consciência dura, irônica, atrevida que lhe provoca a austeridade, o enfezamento, a obstinação em abrir mão do corpo e da poesia em busca na recusa do efêmero na competição com o Eterno.
(...) – Temendo os teus limites, Samsara esvaecida?
Por que não deixas o fogo onividente
Lamber o corpo e a escrita? E por que não arder
Casando o Onisciente à tua vida?
 É na solidão e no silêncio que a poetisa dá voz à sua própria consciência. E esta lhe orientará ao enfrentamento com a munição que já possui: o grito e a pena.
Não percebes, Samsara, que Aquele que se esconde
E que tu sonhas homem que ouvir o teu grito?
Que há uma luz que nasce na blasfêmia
E amortece na pena? Que é o cinza a cor do teu queixume
E o grito tem a cor do sangue Daquele que se esconde?
Vive o carmim, Samsara. A ferida.
E terás um vestígio do Homem na tua estrada.

Em seguida, concluindo este quarto livro e  representando o momento divisório entre a fuga  e o enfrentamento, o louco da consciência exorta com erudição:
 – Ipseidade Samsara. Ipseidade senhora –
 E enfeixando energia, cintilando
Fez de nós dois um único indivíduo.
 “Ipseidade”: do latim ipseitas, derivado de ipse, denomina o indivíduo nele mesmo. Na fenomenologia, a ipseidade caracteriza o Dasein heideggeriano em sua existência ou seu ser-no-mundo antes da constituição do eu como sujeito (5). Neste sentido, religada à própria consciência e de posse da sua individuação como ser existente no mundo, a poetisa enfrentará Deus no quinto livro, Via Vazia, usando como arma, o grito, a blasfêmia, a palavra, para quem sabe assim, como havia dito “o louco”, Ele venha mostrar-lhe a sua Grande Face.
Eu sou Medo. Estertor.
Tu, meus Deus, um cavalo de ferro
Colado à futilidade das alturas.
 Este livro, hipnótico, transgressor, corajoso, descreve o grito, o enfrentamento, a invocação da poetisa pela presença do Pai, um sinal pelo qual há tempos ela fareja e fareja, por algo com o qual Ele se assemelhe. É o encaramento da possibilidade do fim: da busca, das perguntas, do mistério, da angústia. Numa peleja verbal e desesperada de insultos e ofensas para provocar uma ação, um surgimento Daquele que lhe é “Indiferente. Bufo”.
PEDRA D’ÁGUA, ABISMO, PEDRA-FERRO
Como te chamas? Para que eu possa ao menos
Soletrar teu nome, grudada à tua fundura.
 Na agonia de uma luta verbal com um surdo-mudo, com o silêncio, ela, então, se impõe em ameaças: “O Tempo não roerá o verso da minha boca. (...) o Tempo não viverá se tocar a minha boca”.
Em Alcoólicas, o penúltimo livro, a poetisa aparece num encontro vigoroso e embevecido com a Vida, “crua”, “generosa”, “Líquida”. E será nessa liquidez que ela se derramará.  O álcool, agora, representará a via de acesso ao ser, ao mundo, ao Todo, tornado remanso e digno depois que ambas, a poetisa e a Vida, sentam-se à mesa “Diante do coruscante ouro da bebida”.
Um encontro intenso com a Vida, como uma amiga, como duas senhoras, para a existência da poetisa ser marcada na lembrança da Vida, quando esta dela se afastar. A amizade com a vida, o adentrar a sua essência líquida, parece uma última tentativa de permanência.
Se um dia te afastares de mim, Vida – o que não creio
Porque algumas intensidades têm a parecença da bebida –
Bebe por mim paixão e turbulência, caminha
Onde houver uvas e papoulas negras (invente-as)
Recorda-me, Vida: passeia meu casaco, deita-te
Com aquele que sem mim há de sentir um prolongado vazio.
(...)
 Por fim, em Sobre a Tua Grande Face, ela rende-se ao Sem-Nome, reconhecendo na Ilusão e na busca o próprio sentido para o estar no mundo. Ela veste, recuada, a fantasia da existência ao reconhecer-se como Nada que possui “ossos e abismos”. E, na metáfora, seguirá a sorver a liquidez da Vida, o fragmentário, sorvendo nela a imagem do Eterno.
De tanto te pensar, Sem-Nome, me veio a ilusão.
A mesma ilusão
 Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.

De te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, Sem-Nome, tenho nada
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cimos. De nunca te tocar
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
Do muito desejar altura e eternidade

Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n’água.
 Nessa ilusão, ela reconhece com Ele uma relação de interdependência essencial. Como numa relação fenomenológica, Ele existe como objeto da busca dela, Sua existência é apreendida nos versos e nos nomes que ela lhe presta: “Porque vives de mim, Sem Nome,/ Sutilíssimo amado relincho do infinito e vivo/ Porque sei de ti a tua fome, tua noite de ferrugem/Teu pasto que é o meu verso orvalhado de tintas (...)”. Entretanto, a verdade da condição da “mulher” e da poetiza não muda, a Ilusão não lhes concede perenidade, permanecendo o dilema: a sua condição de “poeta” que lhe permite acoplar-se ao Eterno, pela atemporalidade da palavra, está necessariamente condicionada à sua existência enquanto “Homem”. Existência que, por sua vez, pode deixar de ser a qualquer momento, por “fadiga”, “plenitude”, ou capricho Daquele.
Em minhas muitas vidas hei de te perseguir.
Em sucessivas mortes hei de chamar este teu ser sem
Nome
Ainda que por fadiga ou plenitude, destruas o poeta
Destruindo o Homem.
 Uma busca na qual insiste, não em resignação, mas como um condenado que segue, altivo e cantante, o destino da forca. Nesse caminhar em círculos, sem saída, nessa busca aporética a poetisa anuncia o retorno das ambivalências, das dualidades. Diante do duplo rosto de Deus ela sente-se seduzida, mas também cansada, injustiçada. E o recurso que lhe resta – o “verso”, “o excesso” – lança-o a Deus numa espécie de vingança que coroa a estrofe final deste último poema:
Escaldante, Obscuro. Escaldante teu sopro
Sobre o fosco fechado da garganta.
(...)
Emergindo do luto
Vem vindo um lago de surpreendimento
Recriando musgo. Voltam as seduções.
Volta a minha própria cara seduzida
Pelo teu duplo rosto: metade raízes
Oquidões e poço, metade o que não sei:
Eternidade. E volta o fervente langor
Os sais, o mal que tem sido esta luta
Na tua arena crispada de punhais.

E destes versos, e da minha própria exuberância
E excesso, há de ficar em ti o mais sombroso.
Dirás: que instante de dor e intelecto
Quando sonhei os poetas na Terra. Carne e poeira
O perecível, exsudando centelha.

*Romero Venâncio é Teólogo e Professor de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe.
Notas:
1. Lançado em 2004 sob a organização e edição do professor Alcir Pécora, Do Desejo é a reunião de sete livros de Hilda Hilst – Do Desejo (homônimo do título do conjunto), Da Noite, Amavisse, Via Espessa, Via Vazia, Alcoólicas e Sobre a Tua Grande Face – dispostos não em ordem cronológica, mas numa ordem concebida pela própria escritora oferecendo possibilidades originais de leitura.
 2. HILST, Hilda. Registro pessoal. Disponível em: http://www.hildahilst.com.br/obras.php?categoria=8. (Acesso em: 22 de janeiro de 2008).
 3. TISCOSKI, Luciana. Na Negação da Morte, um Biografema de Hilda Hilst, p. 03.
 4. Pécora, Alcir. Nota do Organizador. In: Do Desejo, p. 09.
 5. J. Baiard. http://www.sophia.bem-vindo.net/tiki-index.php?page=Ipseidade.

Referências:
HILST, Hilda. Do Desejo. São Paulo: Globo, 2004.
HILST, Hilda. Registro pessoal. Disponível em: http://www.hildahilst.com.br/obras.php?categoria=8. (Acesso em: 13/01/2013).
TISCOSKI, Luciana. Na Negação da Morte, um Biografema de Hilda Hilst. Revista Fazendo Gênero. Edição número 09: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Agosto de 2010.
Fotografias:
Ensaio "Explorando a paixão" de Élida Nascimento

Epicuro, Marx e a Crítica da Religião: algumas notas

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